Veritaspolis

sábado, 25 de outubro de 2008

Greve pelo direito de adoecer, pelo direito de morrer...

Muitos criticam a greve da polícia civil paulista sem conhecer as difíceis situações a que são submetidos os policiais civis do Estado mais rico da Federação.
Os vencimentos de todos os policiais são baixíssimos, considerando-se as dificuldades inerentes à atividade policial, que na função de polícia investigativa e judiciária, acabam angariando inimigos de toda ordem.
Basta dizer que todo aquele que é investigado e tem, como se diz popularmente, “culpa no cartório”, acaba encarando seu investigador como um inimigo.
Além dos investigados do tipo que se pode chamar de “comuns”, existem também os de poder econômico, de poder político e os das denominadas organizações criminosas.
Não bastassem todos esses enfrentamentos, ainda se trabalha durante as noites, madrugadas, finais de semana e feriados, lidando-se com cadeias e com os dramas humanos resultantes das tragédias porque passam as partes e respectivas famílias, envolvidas nas ocorrências.
Disto decorre o desgaste físico e principalmente mental, a que são submetidos os policiais, sendo cientificamente comprovado que ser policial é uma das atividades mais desgastantes do mundo laborativo.
Assim é a atividade policial considerada perigosa e insalubre.
Dentre os péssimos vencimentos das carreiras da polícia civil paulista, destaca-se a dos delegados de polícia, a qual é agraciada com o “Pior Salário Do Brasil”, daí resultando o mote da campanha salarial ser que todo delegado de policia do Estado de São Paulo é PSDB, numa coincidência com a sigla do partido que ocupa o governo do Estado há 14 anos.
Os vencimentos dos delegados de polícia paulista, são os piores dentre todas as unidades federativas.
Além do problema salarial, o governo do Estado nega a vigência da Lei Complementar Federal nº 51/85, que em concede aposentadoria especial após 30 anos de serviço (contribuição), sendo pelo menos 20 anos de serviço de natureza estritamente policial.
É de se esclarecer que na iniciativa privada as carreiras em que os trabalhadores são submetidos a condições insalubres e periculosas de serviço, têm seus trabalhadores aposentados com o tempo de 15, 20 ou 25 anos, dependendo das atividades exercidas, de modo que não constitui nenhum privilégio a aposentadoria especial os policiais civis.
Cumpre ainda ser mencionado que os policiais militares têm vencimentos vinculados aos policiais civis e o governo do Estado concede a eles aposentadoria especial.
Só com a deflagração da greve é que o governo resolveu enviar a Assembléia Legislativa projeto a respeito da aposentadoria especial, isto após se negar a fazê-lo por vários anos, obrigando que os policiais civis mesmo após completarem seu tempo de serviço fossem obrigados a permanecer trabalhando no aguardo de processos judiciais que se arrastam há anos, fruto dos inúmeros recursos impetrados pelo governo do Estado.
Após esta exposição de alguns dos problemas vividos pelos policiais civis, cabe ser explicado o motivo e o título deste texto.
Visando burlar o preceito constitucional de que os servidores públicos aposentados têm direito ao reajustamento dos benefícios para que seja preservado em caráter permanente o valor real dos salários, nos últimos anos os governantes que ocuparam e ocupam o Palácio dos Bandeirantes passaram a não conceder aumentos incorporados aos vencimentos aos policiais civis, e sim, conceder-lhes aumentos através de diversos nomes, como: adicionais, gratificações e etc...
No presente, os delegados de polícia recebem um adicional denominado “ALE” – Adicional de Local de Exercício – o qual possui três faixas.
Aqueles que trabalham em cidades até 200 mil habitantes recebem o dito adicional no valor de R$ 1.008,00, os que trabalham em cidades com população entre 200 a 500 mil habitantes recebem R$ 1.226,00, e finalmente os que trabalham em cidades com mais de 500 mil habitantes, recebem R$ 1.575,00.
Ocorre que tais valores só são recebidos se o delegado de polícia estiver trabalhando, com o que se vier a se aposentar, deixará automaticamente de recebê-lo e, pior ainda, se falecer ou entrar em licença-médica, respectivamente seus familiares e ele próprio também deixarão de receber o mencionado adicional.
Após os ataques do PCC – Primeiro Comando da Capital – vários policias faleceram ou em virtude de ferimentos entraram em licenças médicas, assim o ALE, como num passe de mágica, desapareceu de seus holerites.
Diante do quadro teratológico instalado, o governo do Estado, depois de muita pressão, enviou projeto a Assembléia Legislativa ampliando o ALE aos policiais que ingressarem em licença médica em virtude de tratamento de saúde decorrente de lesão sofrida em serviço ou em razão do exercício da função de policial civil ou doença profissional (ex.: baleado, acidente com viatura) e as pensões recebidas pelos familiares daqueles que falecerem também em virtude de tais casos.
Assim os policiais civis paulistas estão de forma implícita proibidos pelo governo estadual de serem acometidos de uma doença como o câncer, de sofrerem qualquer acidente que não tenha relação com a atividade policial, de modo que para não ampliarem as necessidades a que já submetem suas famílias, os policiais civis são instados pelo governo estadual a atingirem quase que a imortalidade.
Precisa-se ainda esclarecer que os tais adicionais constituem-se em cerca de 30 a quase 50% dos vencimentos dos delegados de polícia, dependo do número de habitantes da cidade em que trabalham e do tempo de serviço do policial.
Agora, após mais de 30 dias de greve, de prejuízos à população, de um desgaste enorme entre as polícias civil e militar, o governo do Estado que se recusava a negociar a respeito do referido adicional enviou projeto de lei à Assembléia Legislativa tratando da aposentadoria especial, onde num artigo afirma conceder tal adicional aos aposentados e aqueles que vieram a se aposentar.
O artigo que trata do adicional tem uma redação tortuosa, de modo a confundir os que tentam interpretá-lo, em especial aqueles que não sejam familiarizados com os problemas policiais e com o mundo jurídico.
Tal artigo dispõe que: “Os policiais civis aposentados e os que vierem a se aposentar a partir da vigência desta lei complementar farão jus ao Adicional de Local de Exercício instituído pela Lei Complementar nº 696, de 18 de novembro de 1992, e alterações posteriores, na base de 50% (cinqüenta por cento) da média dos valores efetivamente percebidos nos 60 (sessenta) meses imediatamente anteriores de sua aposentadoria, a ser pago, em valor fixo, na razão de 1/10 (um décimo) por ano, até o limite de 10/10 (dez décimos)”.
Após um grande esforço interpretativo depreende-se que um delegado de polícia ao se aposentar após 60 meses recebendo um ALE (Adicional de Local de Exercício) de, por exemplo, R$ 1.008,00 incorporará a sua aposentadoria aproximadamente R$ 50,00 a cada ano subseqüente a ela, até que após 10 anos como aposentado, totalize os 10/10, ou seja, R$ 500,00.
Como se vê, mais uma vez os policiais civis são enganados e ainda se tenta iludir a população, a imprensa e todos aqueles não afeitos ao tema, como se o governo realmente estivesse concedendo aos aposentados atuais e futuros o adicional.
Continuam, e se depender do projeto de lei enviado à Assembléia Legislativa, continuarão os policiais civis de São Paulo sem o direito a que todos homens e em todos os tempos tiveram, isto é, o direito de adoecer e de morrer.

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